Veículo: Jus Econômico
Autor: Romeu Tuma Júnior
Data: 25-08-2014
É cada vez mais palpável para o cidadão brasileiro o aumento da frequência de roubo e furto de veículos nas grandes cidades brasileiras, realidade esta que, face a inércia das autoridades, não nos possibilita traçar melhores horizontes no futuro, exceto com medidas eficazes e efetivas que eliminem causas e combatam o efeito da criminalidade e da violência.
Registre-se que segurança é sensação e por isso, diferente de violência que é um sentimento, que aflora de forma material, moral, patrimonial, físico, dentre outros. Por isso palpável como dito acima.
Com efeito, segundo dados fornecidos pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 476 mil veículos foram roubados e/ou furtados no Brasil, sendo que só no Estado de São Paulo, o montante de roubos e furtos de veículos cresceu 10,1% ao longo do ano de 2013, chegando a 225 mil casos. É o maior em 12 anos!
Dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo mostram que em 2013 as ocorrências de roubo de veículos superaram as de furto pela primeira vez desde 2011. Segundo as estatísticas da secretaria, dos carros roubados ou furtados somente 40% são recuperados.
Nesse contexto, podemos afirmar, sem dúvidas, que os denominados “desmanches” clandestinos são – e continuarão sendo – uma das principais causas que faz crescer o número de roubos e furto de veículos, e em paralelo, outros crimes que caminham na mesma indústria delituosa, pois que muitas vezes para se roubar um carro, mata-se o motorista, mata-se por atropelamento quem se encontra no caminho, mata-se em um assalto no qual aquele carro é utilizado, usa-se de cativeiro para crimes de extorsões relâmpagos, e ainda lembrando que, no estado de São Paulo, 50% (cinquenta por cento) dos casos de latrocínio têm relação direta com o roubo de veículos.
Diante desse quadro dantesco, a presidente Dilma Rousseff sancionou no último mês de maio a Lei nº 12.977, através da qual o governo federal tenciona regulamentar, em todo o País, o desmanche de veículos.
Todavia, conforme veremos, o Governo Federal ficou apenas na intenção, e tenho sérias dúvidas se eram boas.
De prático, pela novel legislação, foi conferido às oficinas de desmonte em todo o País o prazo de 01 (um) ano para se adequarem às novas regras antes das normas entrarem em vigor, ou seja, somente em maio de 2015.
Após isso, as empresas de desmanche deverão contar com alvará de funcionamento expedido pelas autoridades locais e os veículos desmontados deverão ter o certificado de baixa registrado no Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), incorrendo nas sanções legais em caso de inércia.
Sucede que, a parte toda a pirotecnia do Governo Federal aliada à ausência de uma efetiva e aprofundada análise das causas que fomentam os crimes de roubo e furto de veículos no País, o que foi sancionado é tão somente uma legislação demasiadamente genérica e extremamente branda com os infratores, além de ineficiente quanto aos aspectos relacionados com a segurança do usuário.
Todavia, antes de adentrarmos no mérito, façamos uma breve digressão acerca do histórico recente das propostas de aperfeiçoamento legislativo envolvendo esta matéria tão relevante.
Corria o ano de 2011, quando foi encaminhado à sanção presidencial o Projeto de Lei de autoria do Senador Romeu Tuma (PL nº 345/07) o qual, objetivando disciplinar o funcionamento de empresas de desmontagem de veículos automotores terrestres no País, traria uma efetiva regulamentação do setor de desmanches, já então tido como o principal destinatário dos veículos oriundos dos roubos e furto de veículos automotores.
Além disso, referida proposta legislativa encerrava em si um outro objetivo, qual seja, a renovação da frota nacional, a qual correria as custas dos fabricantes e sem contrapartida no abatimento de impostos, vale dizer, sem onerar o erário.
Cabe uma lembrança óbvia: o autor, ex-Delegado de Polícia com mais de 50 anos de serviços prestados à Segurança Pública no Brasil e no mundo, então Senador em oposição ao governo, estava morto quando do veto, e seu filho, autor desse artigo, um crítico do mesmo governo nessa área, onde também militou por décadas.
Faço o registro por estar convicto ser o motivo sem nobreza, mas real, que indicou o veto presidencial, qual seja, o nome do autor.
Todavia, em homenagem ao contraditório, descartando-se minha convicção, aí quiçá compelida por setores que seriam prejudicados caso a lei entrasse em vigor, a Presidente Dilma vetou integralmente referida propositura de lei sob o singelo argumento de que “a proposta não apresenta parâmetros técnicos mínimos para definir que tipos de peças usadas poderão ou não ser comercializadas no mercado de reposição, além de não assegurar o controle de qualidade e das condições de comercialização, de modo a garantir seu desempenho e a segurança do consumidor” (mensagem nº 05, de 10 de janeiro de 2011 à presidência do Senado Federal).
Pois bem, transcorridos mais de 03 (três) anos e, chegado o ano 2014 quando teremos eleições presidenciais, eis que foi sancionada a supracitada Lei Federal nº 12.977/14, cuja vigência se dará tão somente em maio de 2015 e, pior, dispondo acerca de matéria idêntica daquela que é objeto da Lei estadual nº 15.276/14, promulgada em 02 de janeiro passado, e cujos efeitos nos estabelecimentos alvo (desmanches) teve início no último dia 01/07/2014.
Sem dúvida que tal ausência de critério legislativo acarretará enorme confusão jurídica, a tal insegurança jurídica, quase institucionalizada em nosso Direito por conta dessas e outras, na medida em que a Lei federal, quando entrar em vigor, necessariamente prejudicará a plena aplicação da vigente Lei estadual, posto que aquela, é mais branda e não dota as autoridades de mecanismos efetivos para coibir o comércio ilegal de peças oriundas de veículos desmontados.
É a tal falta de aplicabilidade, dispositivo que tem sido cada vez mais usado na edição das Leis no Brasil, o que explica em parte, o por que muitas não pegam ou até mesmo acabam beneficiando o limbo em que se encontram certas atividades causa de violência.
Por exemplo, enquanto a Lei estadual prevê, além do impedimento por 05 (cinco) anos dos sócios exercerem o mesmo ramo de atividade em outro estabelecimento ou mesmo requerer a abertura de outra empresa no mesmo ramo de atividade, a Lei federal, inexplicavelmente, diminui tal prazo para apenas 02 (dois) anos e, como se não bastasse, prevê penas muito mais brandas que aquelas previstas na legislação paulista, em especial a renovação do registro do estabelecimento a cada 05 (cinco), quando a Lei estadual estipula que esse prazo não será superior a 01 (um) ano, o que, sem dívida, abre lacunas para a continuidade da atividade criminosa.
Aliás, nesse caso, vemos a clara demonstração de que o governo Federal, não bastasse sua inércia e incapacidade de articular e proporcionar melhorias e avanços no combate a criminalidade,
resolveu se mexer, mas para atrapalhar ao invés de ajudar.
Ou seja, ao invés do Governo Federal estabelecer diretrizes gerais e deixar a critério de cada Estado da Federação e seus respectivos órgãos de trânsito organizar e disciplinar o funcionamento desse ramo de atividade que hoje é um dos maiores fomentadores de roubos, furtos e latrocínios no País, optou por editar uma legislação por demais genérica e branda, conflitando com a leis estaduais vigentes e, no caso de São Paulo, muito mais abrangente e rigorosa no combate a indústria dos desmanches, uma efetiva atividade da criminalidade organizada.
Em suma, se a ideia fosse mesmo dotar nosso ordenamento jurídico de mecanismos eficazes para o combate ao crime organizado, a Presidente poderia se preocupar – ao invés de ter vetado uma Lei muito mais completa e que por consequência, eliminaria muito mais causas de criminalidade – em criar mecanismos complementares para regulamentar novos ou eventuais flancos, além é claro, de cuidar de nossas fronteiras por terra, água e ar, por onde passam foragidos que se evadem e que invadem o território brasileiro, que saem e que entram diuturnamente, inclusive com veículos produto de crimes.
A própria Polícia Federal e seus integrantes, hoje reduzidos a instrumentos de poder partidário, sem força funcional, independência operacional e financeira para enfrentar essas fronteiras sucateadas e abandonadas por falta de policiamento, planejamento e equipamentos suficientes para transformá-las em portarias com porteiros, capazes de impedir o vai e vem da bandidagem e suas carretas de drogas e armas, ao invés de mantê-las parecidas cada dia mais com queijos suíços, ou seja, cheias de buracos.
Impressionante, na já claudicante estrutura social e combalida segurança pública, nos crimes em que a população mais sente a violência, a sensação de insegurança e os avanços da criminalidade, o governo além de não conseguir construir, desmancha.