Veículo: Jus Econômico
Autor: Romeu Tuma Junior
Data: 19-05-2014
Ampla Defesa, Contraditório e Devido Processo Legal são princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito que, embora assegurados pela Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LV), são amplamente desrespeitados pela Divisão de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Federal e por consequência pela própria instituição. A DIP e seus Serviços nas Superintendências Estaduais (SIP), além de instaurar inquéritos, sem livros para registro e seus famigerados Procedimentos Criminais Diversos, o que é uma anomalia jurídica, ainda os mantém em sigilo, sem que possam ser acessados por quem quer que seja, mesmo que partes, quando afrontam aquilo que a Carta Magna estabelece no mesmo artigo 5º, desta feita em seus incisos LVI à LX.
A sistemática atual de montagem de inquéritos policiais no setor de inteligência da Polícia Federal brasileira obedece à uma metodologia singular e inédita na tradição jurídica pátria, jamais utilizada nem mesmo durante a ditadura militar, e que faria inveja até mesmo aos regimes totalitários.
Tal situação, porém, é de fácil explicação, na medida em que tanto a Divisão quanto os Setores de Inteligência Policial, incluindo-se os localizados nas Superintendências Regionais, por não possuírem atribuições de polícia judiciária cartorial, na acepção jurídica do termo, não sofrem controle interno e nem externo por órgão corregedor, status este que lhes facilita o cometimento de manipulações e arbitrariedades decorrentes da falta de transparência, algo que é, para dizer o mínimo, inadequado num pretenso Estado Democrático de Direito.
Todavia, o que se vê é que procedimentos largamente utilizados pela PF como o Auto de Investigação Preliminar (AIP) e o Procedimento Criminal Diverso (PCD), não sofrem qualquer correição interna e externa, e nem mesmo possuem respaldo na legislação penal. Investigações policiais são realizadas no bojo de um inquérito policial nos termos do Código de Processo Penal, uma vez instaurado, apesar de presidido por um Delegado de Polícia, só poderá ser arquivado por ordem judicial, o que não ocorre com os AIPs e PCDs, procedimentos anômalos, que podem ser iniciados e encerrados a qualquer momento, conforme critério discricionário da autoridade policial que o conduz.
Outro ponto, bastante escandaloso, se refere ao sigilo em que são mantidos os inquéritos. O acesso restrito somente a quem trabalha nas áreas secretas da PF, impede, inclusive, a consulta por advogados de defesa dos investigados. Não raro, alguns são registrados em delegacias especializadas, que nada tem a ver com a tipicidade penal do enquadramento sofrido. Isso dificulta, em muito, o acesso à defesa pelos envolvidos, num evidente cerceamento, pelo pretenso acusador, ao mais basilar dos Direitos que a Constituição garantiu ao cidadão brasileiro.
Diante disso, fica evidente a atuação, no cotidiano da sociedade civil, do “Estado Policial que viola os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido Processo Legal, organismo este que, ao revés do que se imagina, potencializa a insegurança jurídica e nos faz questionar se vivemos verdadeiramente numa democracia. Cabe ao Poder Judiciário coibir essas violações e exigir que o Ministério Público Federal exerça de fato o controle externo da PF, que lhe cabe de direito, mas que tem sido até então, falho e ineficiente.
Há quase dois anos, foi assinado o decreto que regulamentou a Lei de Acesso à Informação a que estão subordinados os órgãos públicos integrantes da administração direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A lei sancionada garantiria a transparência das informações relacionadas a atos e/ou documentos que não devem ser mantidos em sigilo, mas sim, acessível à sociedade. E a PF tem que entender que ela se sujeita a Lei também, além do que, procedimento não previsto no ordenamento pátrio, não pode se esconder nos escaninhos da arbitrariedade.